1º quadrimestre de 2023
“Uma escultura é como uma pedra, uma árvore, uma montanha. Elas têm expressão, são bonitas em si, vivem ao ar livre. Tudo isso é forma, a pedra, a árvore e a montanha, e a escultura é uma forma que também tem que ficar ao ar livre para estar completa […].”
(LEIRNER, 1979)
O Museu Felícia Leirner reúne um conjunto de 86 obras em bronze, cimento branco, granito e gesso, distribuídas ao ar livre e divididas em fases de criações da artista sob o ponto de vista “Estilístico-formal”. Neste boletim, abordaremos os cuidados para a manutenção das esculturas em granito.
Dentre as peças que compõem o acervo da instituição, apenas duas são de granito, “Maternidade” e “Figura Arcaica II”.
A obra “Maternidade”, de 1952, foi incorporada à coleção em 2014, através de aquisição realizada pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo e instalada no percurso expositivo do museu levando em conta que o conjunto anterior foi inteiramente posicionado pela própria Felícia Leirner. Assim, apesar da nova obra remeter à fase Figurativa da artista, ela foi instalada em área distinta, evidenciando ao público que a sua incorporação é posterior a data de inauguração da instituição.
Já a obra intitulada “Figura Arcaica II” de 1960, faz parte da fase denominada “A caminho da abstração”, a qual a artista pouco a pouco adentra o estilo da abstração informal, tendência dominante na Bienal de São Paulo no final da década de 1950 e início de 1960, e na arte internacional.
Segundo Frederico Morais, embora Felícia caminhe para a abstração, é possível perceber que a marca arcaizante, definidora da sensibilidade da artista, persiste nos trabalhos desta fase, tanto nos efeitos da matéria quanto na disposição totêmica da forma, obra que nos ajuda a visualizar esse processo (Morais, 1991, p.90).
Para as peças em granito, a escultora utilizou a técnica do cinzelamento, que consiste na utilização da ferramenta cinzel (daí o nome da técnica), que juntamente a um martelo auxilia no desbaste da pedra e dá forma à obra. Essa técnica pode ser considerada “fácil”, do ponto de vista do suporte material, o granito, que por ser uma rocha ígnea, permite uma grande variedade de acabamentos.
Por outro lado, o conceito de esculpir em granito é o único que não tem uma intervenção externa para produção. Portanto, o artista precisa compreender as formas já lascadas na pedra para formar vincos e estruturar a figura, então os cortes e as linhas devem ser estudados constantemente para que não seja modificada a sua criação inicial.
Apesar das obras em granito serem mais resistentes e, por isso, mais duráveis e longevas, elas precisam de olhares atentos quando se trata da conservação preventiva. Para isso, a equipe do museu, em parceria com empresa especializada em conservação e restauro, mantém uma rotina de cuidado e manutenção do acervo.
Os principais fatores de risco para as obras em granito podem ser: as intempéries, ou seja, a ação da água da chuva, ação do vento e a variação brusca de temperatura.
A deterioração biológica, que compreende a formação de filmes (a umidade provoca a proliferação de liquens que formam um filme e atraem insetos e aves que fazem dejeções, ninhos, casulos, depositam sementes, etc.), ou a interferência provocada pela vegetação.
A deterioração dos materiais componentes, como as eflorescências, que são depósitos cristalinos de cor branca que surgem na superfície do granito, resultantes da migração e posterior evaporação de soluções aquosas salinizadas e a oxidação do mineral ferroso, que constitui o granito.
E a deterioração humana por meio de vandalismo e acidentes físicos e químicos provenientes da má conservação.
Os cuidados de manutenção dessas obras compreendem a higienização mecânica periódica com auxílio de trinchas de cerda macia, evitando o acúmulo de sujidades, e a retirada da água acumulada da chuva com o uso de esponja de fibra macia. Essas ações são realizadas rotineiramente pela equipe do museu.
Além desses processos, a equipe de conservação e restauração, em visitas técnicas periódicas, avalia o estado de conservação das obras e, caso necessário, realiza a limpeza superficial com uso de detergente neutro e hidrojateamento com pressão controlada. Essa técnica corta a proliferação de musgos e fungos responsáveis pela alternância de tonalidades de cor na pedra.
Essas ações fazem parte da conservação preventiva e são imprescindíveis para a diminuição das chances de interferências mais profundas com restauros posteriores à degradação, bem como para manter o acervo o mais intacto possível para as gerações futuras.
Curiosidade: No Museu Felícia Leirner há uma obra em cimento branco armado com ferro intitulada “Família”, de 1970. Há um outro exemplar desta obra em granito, também intitulada “Família”, de 1975, que faz parte do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo, e pode ser visitada no jardim do Palácio dos Bandeirantes, que fica no bairro do Morumbi, em São Paulo.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Sérgio Pinto. As Esculturas de Felícia Leirner mudam de jardim. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 de março de 1979. Disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=6880&anchor=4231816&origem=busca&originURL=&pd=99e6acadb015f6ad5a3d323db962cd38>
Cinzelamento: a técnica de vencer a pedra e a importância de sua conservação adequada. Museu Felícia Leirner, 2021. Disponível em: < https://www.museufelicialeirner.org.br/noticias-de-acervo/cinzelamento-a-tecnica-de-vencer-a-pedra-e-a-importancia-de-sua-conservacao-adequada/ > Acesso em: 20 de janeiro de 2023.
Julio Moraes Conservação e Restauro LTDA. Relatório dos Serviços de Manutenção – Museu Felícia Leirner. São Paulo, 2018.
MORAIS, FREDERICO. Felícia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felícia Leirner, 1991.
Museu amplia acervo com obra rara de Felícia Leirner. Museu Felícia Leirner, 2015. Disponível em: < https://www.museufelicialeirner.org.br/noticias-de-acervo/museu-amplia-acervo-com-obra-rara-de-felicia-leirner-2/> Acesso em: 15 de Fevereiro de 2023.