Fayga Simcha Eichenbaum, que no Brasil adotou o nome de Felícia Leirner, nasceu em Varsóvia, Polônia, em 1904. Filha de Pincus e Sheindla Eichenbaum, fazia parte de uma família judia com tradição acadêmica e religiosa, composta por rabinos e estudiosos da Torá. Desde a infância, demonstrou grande interesse pelas artes e pela literatura, frequentando teatros, orquestras, óperas e lendo intensamente, especialmente obras de autores russos e franceses. Felícia se descrevia como uma criança alegre, que gostava de cantar e começou sua trajetória musical em corais de igrejas, alcançando o posto de soprano no coro da Ópera de Varsóvia.
Durante sua juventude, frequentava o Clube de Escritores, um espaço que reunia a intelligentsia ídiche da cidade. Foi nesse ambiente intelectual e também nas óperas que conheceu Isai Leirner, que se tornaria seu marido.
Nas memórias de Felícia Leirner e nos relatos sobre sua vida, a Polônia é representada por dois lugares marcantes: Varsóvia, onde viveu até 1927, ano de sua migração para o Brasil, e Lukov, uma cidade com forte presença judaica, onde seus tios administravam fazendas e trabalhavam com trigo e madeira. Lukov também abrigava o túmulo de seu avô, o rabino Bem Yakov, reforçando o vínculo da família com suas raízes religiosas e culturais.
“Varsóvia era uma cidade maravilhosa. Até vinte dois anos aproveitei naturalmente. Culturalmente Varsóvia foi uma cidade muito importante, muito cultural, teatros, óperas, balés à vontade. Tudo o que você queria de cultura você tinha. Chamávamos Varsóvia ‘a pequena Paris’. Mas não era pequena, era grande. Depois que conheci Paris achei quase igual à Varsóvia, a não ser a riqueza maior (...)”
Felícia Leirner, 1996.
Em entrevistas e depoimentos, Felícia Leirner (Fayga) evitava falar sobre seu passado na Polônia, sobre o antissemitismo e sobre a guerra, que vivenciou aos 10 anos de idade. Sua experiência da Primeira Guerra Mundial está associada à ocupação alemã de Varsóvia, que ocorreu entre 1915 e 1918. Felícia recordava que, na escola, precisavam estudar em polonês às escondidas, pois o uso do idioma alemão era imposto pelas autoridades.
Fayga teve três irmãos, que, assim como ela, deixaram a Polônia ainda jovens: Jacub, Louis e Ana. Jacub estudou na Inglaterra, onde se casou com uma judia estadunidense. Posteriormente, mudou-se para os Estados Unidos, onde estabeleceu residência e tornou-se cidadão americano. Louis graduou-se na Alemanha, especializando-se como engenheiro e inventor de máquinas para a indústria. Casou-se com uma alemã e teve dois filhos. Com a ascensão do regime nazista, fugiu com o filho mais novo para a Itália, onde se casou novamente, desta vez com uma italiana cristã que o acolheu, estabelecendo-se em Milão. Ana, por sua vez, migrou para o Brasil pouco antes de Fayga.
Felícia Leirner, durante sua infância na Polônia, muito antes de se tornar uma das grandes escultoras brasileiras.
*LEIRNER, Felícia. Textos poéticos e aforismos. Org. J. Guinsburg e Sergio Kon. São Paulo: Perspectiva, 2014. P. 145.
Felícia Leirner, à esquerda, durante sua infância na Polônia, ao lado de um casal mais velho
*MORAIS, FREDERICO. Felícia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felícia Leirner, 1991. P. 14
Retrato de Felícia Leirner de perfil, por volta dos 22 anos.
*MORAIS, FREDERICO. Felícia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felícia Leirner, 1991. P. 14
“Quando eu era criança, costumava perguntar à minha mãe: por que choras, onde te dói? Ela me olhava como seus olhos úmidos e tristes: não sei bem, filhinha, não sei o lugar certo.
Eu sei que a dor vem de longe, de uma cidade chamada Lukov, numa alameda com velhas árvores onde se pode ver pedra sobre pedra, com inscrições apagadas. A dor que vem de lá é a que está aqui.”
Felícia Leirner
Felícia Leirner ao lado da escultura em bronze que criou em homenagem à sua mãe
*LEIRNER, Felícia. Textos poéticos e aforismos. Org. J. Guinsburg e Sergio Kon. São Paulo: Perspectiva, 2014. P.99
Antes da Primeira Guerra Mundial, que eclodiu em 1914, o território polonês era dividido entre os impérios alemão, russo e austro-hungáro. Varsóvia e a parte oriental da Polônia histórica eram controladas pela Rússia. A guerra levou à organização de dois blocos: a Tríplice Entente – composta por Reino Unido, França e Rússia – contra os impérios alemão, austro-hungáro, otomano e a Itália.
Em 1915, os alemães invadem Varsóvia. Entre 1915 e 1918, a ocupação alemã confiscou todos os recursos da região que poderiam ser úteis para o esforço de guerra e desmantelou indústrias que poderiam competir com as alemãs. O resultado da ocupação foi a exploração dos recursos poloneses, o racionamento de alimentos, fome, desemprego, destruição e forte degradação ambiental. Em 1918, quando ficou claro que lideranças polonesas organizavam um Estado independente sem o apoio da Alemanha, tropas alemãs e austríacas foram acionadas contra trabalhadores poloneses. Com a vitória da Tríplice Entente, em 11 de novembro de 1918, as tropas alemãs deixaram Varsóvia e Józef Pilsudski, marechal e líder polonês, começou a organizar o primeiro governo independente.
Entre 1919 e 1922, se desenrolaram guerras de caráter expansionista contra soviéticos, lituanos e checoslovacos no sentido de estabelecer as fronteiras da Polônia, entre elas a Batalha de Varsóvia, em 1920. Os desafios políticos e econômicos eram enormes e envolviam administrar regiões que haviam sido de três impérios distintos, com tradições políticas diversas. O nacionalismo dos líderes poloneses recriou um império multiétnico, assentado em novas divisões territoriais, semelhante àqueles que os tinham subjugado.
Em 1921, cerca de 40% da população do território polonês constituía-se de ucranianos, seguidos pelos judeus, bielorrussos e alemães. Assim, o nacionalismo polonês voltou-se contra as minorias, em particular os judeus, vistos como perigosos. A Polônia independente passou a ser palco de um antissemitismo crescente. Diante desse contexto, ocorreu forte migração judaica no período do entre-guerras.
As guerras impactaram fortemente a vida de Fayga Simcha Eichenbaum e sua família. No entanto, ela não gostava de rememorar esses períodos.
Da Primeira Guerra Mundial à Consolidação do Território Polonês
28/07/1914 – Início da 1ª Guerra Mundial.
05/08/1915 – Tropas alemãs ocupam Varsóvia.
1917 – Revolução russa.
1918 – Tropas alemãs e austríacas são acionadas contra trabalhadores poloneses em Varsóvia.
11/11/1918 – Fim da 1ª Guerra Mundial e vitória da Tríplice Entente. Tropas alemãs deixam Varsóvia e o marechal Józef Piłsudski organiza o primeiro governo polonês.
28/06/1919 – Assinatura do Tratado de Versalhes. A Polônia é ratificada como Estado soberano e ganha acesso ao mar Báltico.
1919 a 1922 – Guerras expansionistas contra soviéticos, lituanos e checoslovacos para estabelecer as fronteiras da Polônia.
21/04/1920 – Assinatura do Tratado de Varsóvia firma aliança entre Polônia e Ucrânia contra os soviéticos no contexto da guerra soviético-polonesa.
12 a 25/08/1920 – Batalha de Varsóvia. Batalha decisiva na guerra soviético-polonesa. Os soviéticos tentaram tomar Varsóvia, mas perderam para os poloneses.
17/03/1921 – Promulgação da constituição polonesa.
18/03/1921 – Assinatura do Tratado de Riga. Encerra-se oficialmente a guerra soviético-polonesa.
05 a 12/11/1922 – Gabriel Narutowicz é eleito presidente pelo poder legislativo.
16/12/1922 – O presidente Gabriel Narutowicz é assassinado após uma semana no cargo. Em seu lugar assume Stanisław Wojciechowski.
12 a 14 de maio de 1926 – Golpe de Estado organizado e dirigido pelo marechal Józef Piłsudski depõe o presidente Stanisław Wojciechowski e o primeiro-ministro Wincenty Witos. Novo governo é instaurado e
Ignacy Mościcki assume a presidência em 4 de junho.
Décadas de 1920 e 1930 – antissemitismo crescente na Polônia e forte migração judaica.
“Mirian Chansky: E na Europa, a senhora teve experiência com o antissemitismo?
Felícia Leirner: Muito, muito.
M.C: Descreve uma experiência que a senhora teve.
F.L: Ah, Minha filha, isto não posso porque é uma história grande que está só no meu caderno que escrevo. É pessoal! (...) Eu tenho as mesmas experiências (de Bashevis Singer¹). Aliás, ele é meu mais querido
escritor de lá, porque eu vivi na mesma época. (...) Ele vivia nas mesmas ruas, passeou pelas mesmas ruas. Muita gente que fugiu para Israel, que era amigo dele, eu conheci muito bem. (...) A guerra é de mil novecentos
e quatorze, eu tinha dez anos (...) Ficávamos escondidos numa cidade pequena que se chamava Lukov e lá ficamos até que entraram os alemães. Aí eu comecei a viver aquela época péssima, péssima, a época dos alemães, porque
eles tiraram tudo que poderiam tirar de bom.
M.C: A senhora ia na escola nessa época?
F.L: Tinha escola que só se estudava alemão. Quando o diretor veio ver se a gente estudava alemão, nós tivemos que pegar os livros alemães. Mas, quando o diretor saiu, o professor mandou pôr (os livros) em polonês.
Era tudo escondido.”
Felícia Leirner, 1996.
Isai Leirner nasceu em 1903, em Varsóvia, Polônia. Proveniente de uma família judia da alta burguesia, foi um jovem estudante e socialista convicto. Frequentou a Ópera de Varsóvia e participou de conferências e encontros de associações literárias.
Felícia e Isai se casaram em 1926 e, no mesmo ano, ele veio para o Brasil como parte de um movimento de emigração de judeus europeus que, em meio às perseguições culturais e religiosas, buscavam melhores condições de vida na América Latina. Com o objetivo de se estabelecer no país e preparar a chegada de Felícia e de sua sogra, Sheindla, Isai trabalhou como operário de máquina em uma malharia no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Os estabelecimentos industriais, de pequeno, médio e grande porte, concentravam-se em bairros como o Brás e o Bom Retiro, locais onde residia a população trabalhadora e imigrante, atraída pela proximidade com a ferrovia e o centro da cidade. No final da década de 1920, o Bom Retiro ficou conhecido por abrigar a maior comunidade judaica do país.
Meses depois, Felícia e Sheindla desembarcaram em terras brasileiras, onde encontraram uma São Paulo em pleno processo de desenvolvimento industrial, urbano e cultural. Nas décadas de 1920 e 1930, São Paulo foi palco de um crescimento vertiginoso, nutrido por um intenso fluxo imigratório. Cerca de 18% da população do estado era composta por imigrantes, em grande parte provenientes da Itália e da Espanha, mas também do Japão, Líbano, Síria, Armênia e Alemanha, além de uma parcela significativa de judeus advindos de várias regiões, como o Leste Europeu. Entre 1941 e 1944, migrantes de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Ceará e Sergipe vieram trabalhar no estado, aumentando o adensamento populacional.
Em termos econômicos, São Paulo foi um dos principais polos industriais do país durante a década de 1930. Apesar das oscilações na indústria, impactada pela depressão econômica de 1929 e pela desvalorização da moeda nacional, o mercado interno crescia devido aos processos de urbanização e industrialização. Esse contexto impactou diretamente a vida da família Leirner, que nesse período recebeu três novos membros — os filhos Giselda, Nelson e Adolfo — e alcançou uma melhora em sua situação econômica. Na casa da Rua Ribeiro de Lima, Isai iniciou seu próprio negócio em sociedade com seu irmão Zimon, adquirindo máquinas retilíneas — equipamentos utilizados na produção de tecidos de malha, capazes de tecer peças inteiras ou partes de vestuário de forma contínua. Essa iniciativa acabou resultando na companhia Tricot-Lã. Devido à prosperidade dos negócios, a família Leirner passou a residir nos bairros dos Jardins Europa e América na década seguinte.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o governo facilitou a entrada de capital estrangeiro com o intuito de atrair empresas. Esse cenário fez com que imigrantes ligados aos ramos industriais, como Isai Leirner, conseguissem se estabelecer na cidade, compondo uma nova elite econômica e cultural.
“Felícia Leirner: Cheguei em 1927, com vinte e dois anos de idade. Assisti o desenvolvimento de São Paulo, tudo! Eu cheguei a ver o primeiro prédio nascer, de Martinelli. Sobre São Paulo foi no começo um pouquinho difícil da gente se habituar: os hábitos, a língua etc… Mas já encontramos um pequeno grupinho de Varsóvia. A maioria dos judeus vieram da Bessarábia, da Rússia, da Alemanha… Meu marido chegou a encontrar logo uma família polonesa que tava aqui e assim começou, apresentou a gente um ao outro (...) Eu morava naquela época no Bom Retiro era muito de italianos, mas simpatissíssimos vizinhos, a gente do Jardim da Luz. E foi muito gostoso lá. Foi lá que nasceu minha filha, todos os três (filhos) nasceram no Bom Retiro. (...)
Sara Altman:A senhora aprendeu logo o português?
F.L: Não, muito pouco, a gente não se apega muito à língua logo, porque a gente procura justamente os patrícios para poder ficar com a nossa língua. A minha mãe nunca queria aprender o português. Ela chegou junto comigo e ela já era idosa, para ela foi muito difícil. Comigo não foi fácil. Quando a primeira criança entrou no jardim da infância eu fui obrigada, eu mandei vir livros da Polônia para ler, porque ninguém tem tempo para estudar, porque os primeiros anos são de luta. (...) E depois quando começa vir os filhos têm o trabalho de criá-los e o medo de tudo, porque tudo é desconhecido (...) como se cria uma criança num país que você não conhece os médicos, você não conhece nada, você não sabe nada (...)”
Felícia Leirner, 1996.
“É tão difícil recomeçar o que já não durou ou querer replantar o que já não cresceu… Mas há muita terra esperando. O jeito é recomeçar.”
Felícia Leirner.
“Lá choveu, aqui também. Lá era cinza, aqui também. Meus olhos azuis no espelho, cinza também. E se eu vestir uma roupa vermelha? Também cinza será, pois não vai adiantar: o cinza de lá me acompanhou até aqui.”
Felícia Leirner.
Felícia Leirner começou a esculpir por volta de 1945, após ter sido acometida por doença severa. Com cerca de 40 anos e os filhos já criados, ela buscou uma motivação para sua vida para além da esfera do lar. Decidiu acompanhar Giselda, sua filha mais velha, nas suas aulas com a pintora de origem húngara, Yolanda Mohalyi. Percebendo que Felícia não se satisfazia com a pintura, Mohalyi lhe indicou a escultora e ceramista Elisabeth Nobiling. Ela trabalhava junto com Victor Brecheret e os dois ensinaram a técnica da escultura à Felícia.
Esse é também o período em que surgem no Brasil museus voltados para a arte moderna tais como o Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 1947, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) e o Museu de Arte do Rio de Janeiro inaugurados em 1948. Em 1951, o MAM SP criou as Bienais de arte de São Paulo, segundo evento desse tipo no mundo, inspiradas nas Bienais de Veneza. Tanto Felícia quanto Isai tiveram participação central nessas iniciativas, como veremos adiante. Isai também participou da criação e direção da Galeria de Arte das Folhas, em 1957, espaço voltado para exposições de arte moderna situada na sede do grupo de jornalismo das Folhas de São Paulo. Nessa galeria Felícia realizou exposições coletivas, mas também sua primeira individual “Felícia: 10 anos de escultura” em 1959.
Isai e Felícia Leirner com as esculturas dela, no jardim da casa do casal, na Rua Guadalupe, Jardim Paulista, São Paulo.
*LEIRNER, Felícia. Textos poéticos e aforismos. Org. J. Guinsburg e Sergio Kon. São Paulo: Perspectiva, 2014. P. 139.
Legenda: Felícia Leirner ao lado de sua filha Giselda e netos (?).
*Mulheres na vanguarda da arte brasileira. A Nação, São Paulo, 29 de setembro de 1963. Arquivo Wanda Svevo, Fundação Bienal de São Paulo.
Felícia, ao lado de seu marido Isai Leirner, participou ativamente da vida cultural paulista e deixou um legado que se perpetuou na família. Matriarca da família Leirner, foi mãe dos artistas Giselda, Nelson e Adolfo, avó da crítica de arte Sheila, tia de Jeanette Mussatti e tia-avó de Jac e Beth Leirner. As parcerias afetivas e profissionais e o sucesso individual de cada um dos membros contribuíram para que a família como um todo fosse legitimada tanto no mundo dos negócios quanto da arte.
Isai Leirner foi um dos fundadores do Museu de Arte Moderna de São Paulo, instituição promotora das Bienais de São Paulo até 1962. Foi também diretor-tesoureiro do Conselho Administrativo do museu e diretor do centro Brasil-Israel. Atuou ainda como colecionador e criou e dirigiu a Galeria de Arte das Folhas, fundada em 1957.
Legenda: Felícia Leirner ao lado de sua filha Giselda e netos (?).
*Mulheres na vanguarda da arte brasileira. A Nação, São Paulo, 29 de setembro de 1963. Arquivo Wanda Svevo, Fundação Bienal de São Paulo.
Os filhos do casal, Giselda e Nelson, foram artistas proeminentes. Giselda atuou como desenhista, gravurista e escritora, tendo estudado com Yolanda Mohalyi, Di Cavalcanti e Poty Lazzarotto. Nelson abandonou sua formação como engenheiro têxtil para seguir sua trajetória como pintor e desenhista, alcançando sucesso na década de 1960. Sua atuação foi marcada por polêmicas, irreverência e por forte contestação institucional. Um dos exemplos mais marcantes nesse sentido, foi a submissão de um porco empalhado para o 4º Salão de arte moderna de Brasília, em 1967, que foi aceito pelo júri. Diante do aceite, Nelson escreveu um artigo, publicado no Jornal da Tarde, questionando o júri e pedindo explicações sobre o critério de admissão de obras no salão. Ambos expuseram nas Bienais de São Paulo.
Sheila, filha de Giselda, é uma importante crítica de arte que ficou conhecida por ter sido curadora das edições das Bienais de São Paulo de 1985 e 1987. Sua curadoria chamou atenção da imprensa e causou polêmica devido ter exposto várias telas abstratas, juntas uma do lado da outra, o que ficou conhecido como a “Grande Tela”. O sobrinho de Isai, Adolpho é um dos principais colecionadores de arte concreta brasileira. Sua filha Jac é uma artista contemporânea multimeios com boa repercussão crítica e aceitação de mercado, que utiliza objetos do cotidiano em suas obras para produzir novos significados.
Isai e Felícia Leirner com seus filhos Adolfo e Nelson ; Felícia com sua filha Giselda.
*LEIRNER, Felícia. Textos poéticos e aforismos. Org. J. Guinsburg e Sergio Kon. São Paulo: Perspectiva, 2014. P. 140.
Ao longo das décadas de 1950, 1960 e 1970, Felícia Leirner apresentou suas obras em diversas exposições coletivas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Entre elas, destacam-se “Doze Artistas Brasileiros”, realizada na Galeria das Folhas em 1957; suas participações em 13 edições das Bienais Internacionais de Arte de São Paulo; e a exposição coletiva itinerante de artistas brasileiros, promovida pelo MAM Rio de Janeiro e pelo Itamaraty, que percorreu vários países da América do Sul em 1959.
Felícia também realizou algumas mostras individuais retrospectivas, como na Galeria das Folhas em 1959, no MAM Rio de Janeiro em 1960 e no MAM São Paulo em 1961. Suas exposições frequentemente geraram comentários de importantes críticos de arte, tais como Mário Pedrosa, Antônio Bento, José Geraldo Vieira e Sérgio Milliet.
Sua produção variou bastante ao longo desses anos, indo da figuração à abstração. Variaram também os materiais e técnicas empregados, que incluíram gesso, bronze, granito e calcítico.
Conheça um pouco mais das exposições de Felícia Leirner clicando nos botões abaixo:
Desde as décadas de 1950 e 1960, quando Felícia Leirner iniciava sua carreira e conquistava visibilidade, suas obras passaram a integrar as coleções de museus. Sua primeira obra musealizada foi “Moça em Pé”(1954). Tendo sido contemplada, em 1955, com o prêmio aquisição da III Bienal de São Paulo, ela foi destinada ao MAM Rio de Janeiro. A artista era amiga de Pietro Maria Bardi, diretor do Masp. Em 1958, ele escolhe a obra “Casal”, da escultora, para ser doada ao museu. Já, em 1962, Felícia doa para o Museu de Arte Moderna de São Paulo (atual MAC/USP) sua obra “Composição 5” que havia sido apresentada na Bienal de São Paulo de 1961. Além desses acervos, as obras de Felícia também estão presentes em várias coleções do Estado de São Paulo tais como: Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado; Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado; Banco Itaú e nos acervos das prefeituras de Campos do Jordão e São Paulo.
*Composição 5, Felícia Leirner, bronze, 1960. Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.Ao longo das décadas de 1950 e 1960, várias obras de Felícia Leirner foram incorporadas ao acervo de museus no exterior. Entre elas estão “Figura” (1957), doada em 1958 ao Musée National d’Art Moderne (MNAM), em Paris; “Figura Feminina Sentada”, adquirida por Pietro Maria Bardi e doada à Galleria Nazionale d’Arte Moderna di Roma (GNAM), em 1960; e quatro obras intituladas “Composição”, doadas entre 1959 e 1963 à Tate Gallery, em Londres; ao Stedelijk Museum, em Amsterdã; à Galeria de Arte Moderna de Belgrado, na Sérvia; e à coleção do Estado belga.
*Cruzes IV, Felícia Leirner, bronze, 1963. Acervo Museu Felícia Leirner.O Museu Felícia Leirner é um museu de esculturas a céu aberto localizado no município de Campos do Jordão, nos jardins do Auditório Claudio Santoro, com uma área de 35 mil m² de mata.
O Auditório, palco do Festival Internacional de Inverno teve seu projeto assinado pelos arquitetos Gian Carlo Gasperini, Plínio Croce e Roberto Aflalo e foi inaugurado em 1979, inicialmente sob o nome de Auditório Campos do Jordão. Em 1989, seu nome foi alterado para Auditório Cláudio Santoro, em homenagem ao maestro falecido nesse mesmo ano. Durante uma visita ao recente Auditório, em 1978, Felícia, que mantinha suas obras no jardim da “Casa do telhado verde”, sempre aberto para os visitantes, encantou-se com a possibilidade de expor suas obras em contato com a natureza e a música.
No mesmo ano, o então Governador do Estado de São Paulo, Paulo Egydio Martins, convidou-a a doar seu conjunto de esculturas para a criação de um museu a céu aberto, que passou a levar seu nome. O Museu foi inaugurado em 1979, seguindo critério expositivo da própria artista.
Na década de 1980 a escultora produziu mais 18 obras em cimento branco com armação de ferro, também doadas ao Governo do Estado de São Paulo, formando o grupo “Recortes na Paisagem” e completando o conjunto expositivo do Museu Felícia Leirner.
“Um dia, o então governador Paulo Egydio Martins me convidou a visitar o local do auditório que pretendia construir em Campos. Ele queria todas as minhas esculturas reunidas em um só parque. O lugar me emocionou. Das colinas, avistavam-se ondas de um mar de morros. Acima, as nuvens lembravam paisagens já vividas. Que privilégio para uma artista ver seus trabalhos reunidos num dos lugares mais lindos do País. Na primeira visita já antevia flores silvestres misturando-se à música tocada no auditório, numa viagem por caminhos pontilhados por minhas esculturas. Trabalhei arduamente e concluí a obra como uma declaração de amor à natureza.”
Felícia Leirner.
Felícia Leirner aos 86 anos de vida e 40 de arte.
*Felícia Leirner: vida e obra – um capítulo da arte brasileira. Jornal da Tarde. São Paulo, 4 de julho de 1991. Arquivo Wanda Svevo, Fundação Bienal de São Paulo.
Após concluir a obra que deu origem ao Museu Felícia Leirner, a artista recolheu-se à sua casa em São Paulo, onde continuou bordando, desenhando e escrevendo. Também produziu esculturas menores em barro, que eram depois fundidas em bronze, quase todas retratando pássaros, tendo realizado algumas exposições. No dia 27 de junho de 1996, Felícia Leirner faleceu aos 92 anos em sua casa em São Paulo.
Desde então, o Museu Felícia Leirner tem sido local fundamental na preservação de sua memória. Algumas poucas biografias foram publicadas sobre a artista e foram realizadas poucas exposições sobre ela e sua obra. Destacam-se aqui as mostras “Tridimensionalidade na arte brasileira do século XX” realizada pelo Itaú Cultural em 1997, “A Natureza pela Janela da Alma – Esculturas de Felícia Leirner”, no Palácio Boa Vista de Campos do Jordão em 2010 e “Estado bruto” no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro realizada em 2021.
Em 2021 sua família doou seu arquivo pessoal para o Museu Judaico, em São Paulo. Apesar de ter uma vasta e potente produção musealizada, a escultora é ainda pouco conhecida pelo grande público e pouco pesquisada. Esse “esquecimento” não impacta apenas o legado de Felícia, mas de várias outras pintoras e escultoras originárias da Europa Oriental e que migraram e desenvolveram carreira no Brasil ao longo do século XX, tais como Yolanda Mohalyi, Moussia Pinto Alves e Liuba Wolf.
“Felizmente as duas que vivem dentro de mim concordaram em fazer cada uma o que quiser. Deixar a que está jovem aproveitar a vida. E a velha não resmungar vendo a jovem brincar, dançar descalça na grama e abraçar as árvores. E , de repente, a voz da idade falou não, não, não quero. E a menina cantou uma música para a outra metade dormir.”
Felícia Leirner.