4º trimestre de 2020

Em uma área de 35 mil m² de fragmento de Mata Atlântica, a já consagrada escultora Felícia Leirner, anteviu todo o seu trabalho reunido. Convidada pelo Governo Estadual de Paulo Egydio Martins, distribuiu sua obra escultórica no jardim do então Auditório Campos do Jordão, que estava sendo construído para se tornar a sede do famoso Festival de Inverno. Sob sua supervisão e criação, em 1978, Felícia Leirner, emocionada, assistiu ao nascimento de seu próprio museu em Campos do Jordão, que reunia suas grandes esculturas de cimento branco armado em ferro, granito e bronze.

No Museu, 43 obras da artista são feitas em bronze, e foram todas trazidas do atelier de São Paulo. Essas esculturas estão distribuídas em três, das cinco fases apresentadas pelo equipamento: Figurativa, A Caminho da Abstração e Abstrata. Nesta edição do Notícia do Acervo – última de 2020 – abordaremos o processo de criação de obras em bronze, desde o esculpir do barro até a sua finalização.

Lembramos, primeiramente, que a utilização do bronze como matéria-prima de suas esculturas, foi adotada por Felícia no início de sua carreira, em São Paulo. Com a sua vinda, em definitivo, para Campos do Jordão, em 1963, a técnica se tornou inviável devido à ausência de casas de fundição na cidade e regiões próximas e, também, à dificuldade e altos custos de transporte das obras no trajeto São Paulo – Campos do Jordão. Percebe-se, portanto, a partir da própria expografia do Museu, que o bronze vai sendo abandonado pela artista e substituído pela técnica de manipulação do cimento, que criou a partir de adaptações de técnicas clássicas, e que poderia ser mais facilmente realizável em seu novo contexto de vida e produção.

Nos voltemos, agora, ao processo de criação artística de peças de bronze. Vale começar a apresentação lembrando que o bronze consiste numa liga metálica composta por 80 a 95% de cobre – elemento base – combinado com estanho, tendo como ponto de fusão a temperatura aproximada de 1.100ºC. Há vários processos usados para a fundição de obras de arte em bronze, sendo que um dos mais conhecidos é a técnica “Cera Perdida”, sobre o qual nós debruçaremos aqui, por ter sido o método adotado na confecção das obras de bronze de Felícia Leirner.

É relevante esclarecer que os artistas percorrem um longo caminho entre o seu processo criativo inicial e a conclusão do projeto em bronze, sendo observadas algumas etapas importantes: esboços, croquis, modelagem, moldes e, por fim, a fundição da obra em bronze.

No método de “Cera Perdida”, independentemente do processo criativo inicial subjetivo a cada artista, parte-se da modelagem da peça, em tamanho original, em material maleável, como a argila, no caso de Felícia.  A partir dai, fabrica-se uma fôrma em gesso ou outro material plástico – o que constitui a primeira moldagem do processo. O próximo passo é, então, a aplicação de uma camada interna de cera diretamente nessa fôrma de gesso, criando, assim, uma fina “casca”, que determinará – futuramente – a espessura do bronze. Sobre essa fina casca de cera, uma nova camada de gesso será criada, constituindo a segunda moldagem do processo. Metaforicamente, podemos imaginar um sanduíche, no qual as camadas de bronze representam as fatias de pão, e a camada fina de cera, representa o recheio, compacto, ocupando todo o intervalo entre os pães.

Feito o “sanduíche”, o bronze em estado líquido deverá ser derramado no lugar do “recheio”, ou seja, da camada fina de cera, por meio de “canudos” que levam o metal até o interior das camadas de gesso. A temperatura elevadíssima derreterá imediatamente a camada original de cera, ocupando todos os espaços por ela anteriormente ocupados. Assim, o intervalo entre os dois moldes de gesso estará, agora, recheado pelo bronze em estado líquido. Resfriado por completo o metal, os moldes de gesso poderão finalmente ser retirados para dar vida a escultura, que deverá ter mantido todos os detalhes do molde original feito em barro.

A última etapa desse complexo processo será a aplicação da pátina – método de coloração do bronze. Esta pode levar o metal a adquirir colorações diversas, como algo mais próximo ao dourado ou ao verde, e isso deverá ser levado em conta pelos fundidores, uma vez que diz respeito a poética ou a intenção de cada artista para a sua obra.

No que diz respeito ao processo criativo de Felícia Leirner, sabe-se que ele não incluía sempre o desenho como etapa inicial de criação de suas esculturas em bronze. A artista costumava partir, logo, para a modelagem no barro, como que se desenhasse por meio dele. Pelo que se conhece de sua biografia, também não lhe agradava muito o entalhe, percebe-se que em toda a sua carreira, realizou apenas três esculturas em granito, estando duas delas presentes na coleção do Museu, e uma, pertencente ao acervo familiar, feita em homenagem a sua mãe.

Por fim, no que tange a manutenção de esculturas em bronze, embora apresentem resistência e durabilidade prolongadas em comparação a outros suportes, é importante destacar que sua exposição ao ar livre requer cuidados. No caso das obras do Museu Felícia Leirner, o fato de estarem cercadas de plantas e expostas a condições climáticas oscilantes nos coloca o desafio constante de manutenção de sua pátina escurecida, para garantia permanente de que a intenção da artista se faça presente na comunicação com os públicos. Assim, a aplicação periódica de uma camada de cera de proteção associada à limpeza diária das pecas, garantem o prolongamento da vida útil da pátina e, consequentemente, fidelidade à poética da artista.

REFERÊNCIAS

– MORAIS, FREDERICO. Felícia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felícia Leirner, 1991.

Fundição Artística no Brasil: Artistic Casting in Brazil – arte, educação e tecnologia/ Serviço Social da Indústria (São Paulo); Prefácio de Gilberto Habib de Oliveira. SESI-SP editora, 2012.