1º Trimestre | 2019

Em nossa última edição do Notícias de Acervo apresentamos a série de esculturas denominada Bichos, composta por 8 obras de cimento branco armado em ferro posicionadas em diferentes locais do museu. Com formas robustas e arredondadas, a série aguça a imaginação dos visitantes, trazendo diferentes reações, sentimentos e emoções. Também destacamos algumas patologias que afligem essas peças e os processos de conservação e restauro adotados pela estagiária de acervo e equipe do Escritório de Restauro e Conservação Julio Moraes na manutenção de obras.

Nesta edição – primeira de 2019 – traremos ao conhecimento do leitor interessado a série Cruzes, composta por obras que tanto revelam a subjetividade da artista quanto o seu amadurecimento estético e aperfeiçoamento técnico. As obras que a compõem foram criadas no período em que Felícia Leirner vivenciava o luto pela morte do esposo Isai Leirner e revelam uma perceptível mudança da estética figurativa para o abstracionismo, que tomaria conta de sua poética pelos anos seguintes.

A série Cruzes foi toda confeccionada em  1963 e é composta por 6 esculturas em bronze, posicionadas sequencialmente em uma das alamedas do museu, dentro da fase abstrata da artista. Constituída por retângulos sobrepostos e entrelaçados, de aspecto sólido e rústico, as Cruzes remetem a tábuas de madeira pregadas (aleatoriamente) na horizontal e vertical e que, segundo as palavras do estudioso e crítico de arte Frederico Morais[1], representam árvores e cemitérios. Surpreende o olhar do expectador, a complexidade das composições e a perceptível dificuldade de fundição das obras, sendo que suas características abstratas permitem o livre fruir de pensamentos e sentimentos em sua interpretação.

Tratando da conservação das obras que compõem a série, destaca-se que a  higienização e manutenção são realizadas periodicamente pela equipe do Escritório de Conservação e Restauro Julio Moraes. O processo de limpeza é iniciado com a técnica de hidrojateamento, que remove sujidades, microrganismos alojados nas cavidades e as camadas antigas de cera, evitando a sobreposição de elementos externos à constituição das obras. Após a secagem das peças, é iniciado o procedimento de enceramento, com a aplicação de uma pasta micro cristalizada e pigmentada de preto esverdeado. A função da cera é, portanto, criar uma pátina artificial que protegerá o metal de processos de oxidação, gerados pela exposição das obras em contato direto com a natureza circundante. Lembramos, ainda, que as esculturas são diariamente higienizadas com pano seco e espanador, visando a não fixação de elementos naturais que possam causar danos mais profundos.

Vale ressaltar que a conservação de um acervo pode influenciar a qualidade de interação do público com o objeto estético, sendo que a manutenção do seu estado de conservação em conformidade com a própria criação artística, concorre para diminuir a distância entre a sua criação e os dias atuais. A não adição de elementos externos pode, assim, evitar o estabelecimento de novos discursos, trazendo luz ao o que a própria artista definiu como elementar. Nota-se, portanto, que para um trabalho responsável de divulgação de um acervo e preservação de um patrimônio material, é necessário levar-se em conta tanto a composição das obras, como seus materiais constituintes e técnicas de manutenção, quanto à poética e à estética próprias do artista, respeitando as suas intenções e trabalhando no sentido de mantê-las vivas.


[1] Morais, Frederico, Felícia Leirner: a arte como missão/ Frederico Moraes – Campos do Jordão, SP: Museu Felícia Leirner, 1991 , p. 91.