O homem cria não apenas porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa; ele só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma, criando. Fayga Ostrower, 2011
Este segundo boletim de 2021 busca trazer um pouco mais da essencialidade das técnicas de Felícia Leirner e compreender o processo de criação da artista em sua trajetória, seguindo a sua própria curadoria no Museu a céu aberto.
A artista foi apresentada à técnica de moldagem pela ceramista Elisabeth Nobiling, na qual desenvolveu sua habilidade de dimensionar formas e, como disse a própria Felícia, “o barro responde à nossa mão, melhor ainda, responde à nossa imaginação”. Ao contrário de alguns artistas, ela não desenhava (foram poucos os croquis elaborados para a composição de suas obras), pois gostava da facilidade de fazer e refazer as formas que criava no próprio barro. Adaptava-se com maestria às diversidades encontradas pelo caminho e não tinha receio de reaprender.
A durabilidade das obras feitas no barro era pouca para sua ambição de criação, então, por conta própria, foi se encontrar com Victor Brecheret em seu ateliê móvel na Praça Armando Salles Oliveira, em São Paulo, onde ele estava trabalhando no Monumento às Bandeiras. Felícia então aprendeu as técnicas do cinzelamento e da cera perdida e também a estruturar obras de grande porte e lapidar formas, criando obras figurativas. Sheila Leirner, sua neta, afirma como sua técnica foi aperfeiçoada:
“As primeiras investidas na escultura resultaram em figuras femininas e na representação da maternidade, moldadas em barro, pedra e bronze por curiosas e inexperientes mãos camponesas. Essas peças sofreram as decorrências de frenéticas descobertas e mais tarde desfrutaram da disciplina imposta pelo aprendizado com Victor Brecheret, que a orientou na manipulação linear e ininterrupta dos volumes e no equilíbrio das formas.” (LEIRNER, 1982.p.358)
Ao ter contato com as Bienais de Arte e seu convívio com grandes artistas, graças à direção de seu marido no MAM e suas coleções de arte, Felícia começou a trabalhar o abstracionismo, revelando formas que do orgânico passam para um construtivismo, mostrando peso e buscando estruturações perfeitas que visam trazer interpretações diversas com formato contemporâneo. Sua curadoria no museu foi meticulosa ao colocar as obras de maior peso estético (série cruzes); a partir disso há a sensação de que seus trabalhos recebem toques mais leves e orgânicos com suas composições abstratas e formas vegetais que vão arredondando pontas, sendo retiradas estruturas centrais e o receptor começa a perceber um acabamento mais fino e sutil. Só depois, ela expõe o caminho da abstração, o que poderia ser uma contradição, mas em sua curadoria ela revela as formas vegetais das quais viria a fase orgânica, que hoje é uma das mais conhecidas da artista.
A inquietação pela criação torna-se nítida pela forma como trabalhou por toda a vida, com experimentações, erros, acertos e estéticas diversas em suas obras durante o percorrer de seu caminho artístico. Como corrobora Marcel Duchamp:
No ato criador, o artista passa da intenção à realização, através de uma cadeia de reações totalmente subjetivas. Sua luta pela realização é uma série de esforços, sofrimentos, satisfações, recusas, decisões que também não podem e não devem ser totalmente conscientes pelo menos no plano estético. (DUCHAMP, 1984: p.73)
A fase orgânica é criada a partir de uma técnica de estruturação metálica, coberta com atadura gessada e preenchida com uma argamassa feita de cal e cimento, trazendo uma maior leveza às suas obras. No entanto, nem todos os seus trabalhos foram compostos assim, como a obra “Centenário”, por exemplo, que foi estruturada com essa mistura de massa ecológica, mas não houve uma moldagem em ataduras gessadas.
É essencial conhecer os processos de criação e sua trajetória por essa gama de estéticas e materiais, unidos às técnicas que enriquecem tanto o catálogo da artista, para que a restauração das obras seja cuidada da melhor forma possível e, para que sua história criativa seja preservada e divulgada no que diz respeito à criação autoral.
Referências
LEIRNER, Sheila. Arte como medida. São Paulo, SP. Perspectiva. 1982.p.358.
MORAIS, Frederico. Felicia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felicia Leirner. 1991.p.27.