1º QUADRIMESTRE
Quanto tempo dura o passeio: uma reflexão sobre o papel da contemplação na ação educativa em museus

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“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque,
requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm […].”
Jorge Larrosa
Uma grande parte da filosofia se dedica a entender a busca do ser humano pela beleza e as emoções que sentimos ao experienciá-la. Esse campo de estudo, que também reflete sobre a arte, sua apreciação e sua função na vida humana, é chamado de Estética – palavra vinda do grego aisthesis, que significa “percepção” e “sensibilidade”.
O Museu Felícia Leirner, como um museu de arte a céu aberto, tem em sua existência a intersecção entre dois princípios carreadores da apreciação estética: a arte e a natureza. Seu acervo compartilha o ambiente natural e cria paisagens especificamente a partir das interações desses dois elementos. Assim, além de convergirem num mesmo local o patrimônio material artístico e o patrimônio ambiental, ambos guardam por si só uma latência de contemplação.
Contemplar é uma reflexão demorada de admiração, que concentra os sentidos e a atenção em algo e nos desacelera, formando outro ritmo da passagem do tempo. Não demanda informação prévia, mas sim um estado de sensibilidade, ou seja, de estar receptivo às percepções dos sentidos. Como um local que provoca um deslocamento do cotidiano, o museu cria uma disposição para essa sensibilidade, “transportando” os visitantes para um tempo e lugar separados da realidade habitual, pois a maneira de perceber o mundo muda somente por adentrar esse espaço: as pessoas tendem a andar mais lentamente e passam a observar os arredores. Um museu a céu aberto traz ainda o cenário da natureza, que amplifica diretamente esse efeito.
Entre demandas e atrações em excesso, a vida contemporânea encurta o tempo e, com isso, uma das práticas que foi perdendo espaço é a de observar demoradamente. E por necessitar de tempo ocioso, “improdutivo”, a contemplação é tida como um luxo para poucos, já que a posse do tempo é também um distintivo social. Mas se observarmos que essa prática se expressa espontaneamente na infância – uma criança se deslumbra fácil e minuciosamente com o mundo ao redor – e isso se perde conforme precisamos converter tempo em utilidade, existe algo essencial ao ser humano nesse exercício. Assim, a contemplação é como um resgate do encantamento na maneira de experienciar o mundo, um freio necessário e também uma recusa da aceleração que assumimos como natural.
Contudo, ainda que os primeiros museus tenham sido criados com o intuito de exibição e apreciação de seus acervos, este objetivo estava ligado sobretudo à origem colonizadora dessas instituições e visava a manutenção cultural e social das relações de poder. Até então, a contemplação no museu estava bastante centrada em um ato passivo, onde os visitantes eram observadores distantes. A partir da década de 1970 ocorreu uma mudança de propósito: estabelecendo que a sua função deve ser socialmente comprometidacom a transformação da realidade, os museus passam a desenvolver práticas ativas para intervir no mundo por meio do seu patrimônio.
A educação museal, como responsável pelo diálogo direto com o público, consolidou-se nas últimas décadas como uma área de atuação essencial para o cumprimento desse objetivo, situando-se “na encruzilhada das trocas (sociais, culturais e afetivas) realizadas entre a instituição e a sociedade” (SISEM-SP, 2015). A atuação do educador busca justamente provocar situações que produzam sentido àquilo que se observa, despertando a percepção atenta do público através das mediações.
Por possibilitar o acesso a um repertório pessoal, às nossas memórias e influências, o exercício de contemplar estimula a imaginação e possibilita criar conexões com o que experienciamos no momento, dando sentido e significado a essa experiência. Quando o patrimônio adquire significado para as pessoas, passa a ser relevante para elas, algo a ser protegido como herança para as próximas gerações. Portanto, a ação educativa explora a contemplação como um impulso, como condutora e estimuladora desse processo, utilizando-a em favor da conscientização patrimonial e da produção de conhecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução: João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação. n.19, jan./abr., 2002, p. 20-28. Disponível em:<https://www.scielo.br/j/rbedu/a/Ycc5QDzZKcYVspCNspZVDxC/?format=pdf&lang=pt>
SISEM-SP. Conceitos-chave da Educação em Museus: documento aberto para discussão. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 2015. Disponível em:<https://www.sisemsp.org.br/wp-content/uploads/2023/03/SISEM_SP_conceitos-chave_da_e ducacao_em_museus.pdf>
MUSEU FELÍCIA LEIRNER E AUDITÓRIO CLAUDIO SANTORO. Programa Educativo e Cultural. ACAM Portinari: Campos do Jordão, 2021.
MUSEU FELÍCIA LEIRNER E AUDITÓRIO CLAUDIO SANTORO. Plano Museológico. ACAM Portinari: Campos do Jordão, 2021.
MUSEU FELÍCIA LEIRNER E AUDITÓRIO CLAUDIO SANTORO. Museus a céu aberto: conceito e poética. Boletins de Acervo; ACAM Portinari: Campos do Jordão, 2023.
“Na infância, contemplar é aprender sobre si mesmo e sobre o mundo”. Grupo Companhia das Letras, 27 de fevereiro de 2022. Disponível em: <https://www.companhiadasletras.com.br/BlogPost/6330/na-infancia-contemplar-e-aprender- sobre-si-mesmo-e-sobre-o-mundo?srsltid=AfmBOoqO5pkAPEULNc85Kx6U9ov-tUG3VDFNk djQTK-KdTku0lRcvb02>
PINTO, Helena. A educação patrimonial num mundo em mudança. Educação e Sociedade, Campinas, v. 43, e255379, 2022. Disponível em:<https://www.scielo.br/j/es/a/rn7z7jtnh3rx7kksLvHrjmf/?format=pdf&lang=pt>


