2º QUADRIMESTRE
Relação do Museu Felícia Leirner com a educação não formal: processos pedagógicos
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“Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo.
Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”.
Paulo Freire (2020, p. 31)
Este boletim educativo é o primeiro de alguns artigos, a serem publicados futuramente, que buscarão pensar a mediação e a comunicação do acervo museológico do Museu Felícia Leirner enquanto processo educativo. Para tanto, iremos levantar abordagens e vertentes pedagógicas que se relacionam com o trabalho do Núcleo Educativo. Nesse sentido, aqui iremos nos ater à vertente pedagógica construtivista com foco nas contribuições de Jean Piaget.
Martins (2015, p. 50) diz que “os museus, em sua imensa variedade de tipologias de acervos e conformações institucionais, comportam um sem fim de práticas educativas voltadas para públicos e objetos diversos”. No Museu Felícia Leirner, além das visitas educativas para públicos escolares, de turismo e espontâneos, também realizam-se oficinas, cursos e ações para variados públicos. São essas práticas promovidas pelo Núcleo Educativo que buscamos refletir por meio do projeto de pesquisa “Comunicação de esculturas no MFL por meio da atividade de mediação para visitantes presenciais: objetivos, conteúdos e métodos”, constituído em parceira com o Núcleo de Acervo e o Centro de Pesquisa e Referência e disponível no site do Museu e Auditório.
Segundo Marandino e Ianelli (2012), a preocupação com a educação nos espaços museológicos tem início no século XX, ou seja, os estudos acerca do tema ainda são recentes e pouco explorados. As autoras dispõem que o histórico dos processos educativos em museus acompanha as tendências pedagógicas da educação formal brasileira, sendo assim, os avanços e pesquisas sobre o processo de ensino-aprendizagem e das perspectivas pedagógicas no contexto formal da educação refletem na educação não formal, no qual os museus se encontram.
Nesse sentido, as pesquisadoras consideram que é possível dividir o contexto histórico dos propósitos educativos dos museus em três gerações, com as seguintes características: na primeira, com preocupação apenas na exposição dos objetos de forma desorganizada e sem propósito educativo; na segunda, ocorre a organização da exibição com foco nos estudos e pesquisas dos mesmos e, na terceira e última geração, volta-se atenção para a interação do público com os objetos expostos. Essas gerações dialogam com as abordagens pedagógicas: tradicionais no primeiro momento, tecnicista no segundo e construtivista no terceiro (Marandino e Ianelli, 2012).
Como já mencionado neste texto, pensando nas especificidades do Museu Felícia Leirner, enquanto um museu de esculturas a céu aberto, com a exposição de obras de uma mesma artista mulher, na interação dos objetos museológicos com o patrimônio ambiental, e na divisão do espaço físico com o Auditório Cláudio Santoro, fez-se relevante iniciar a análise do trabalho do Núcleo Educativo por meio da abordagem construtivista da educação. É válido ressaltar que a adesão a uma determinada concepção pedagógica não se fecha à inclusão de outras, ou seja, um conceito não exclui outro e, sim, adiciona (Marandino e Ianelli, 2012).
De acordo com Santos, Oliveira e Junqueira (2014), Piaget é um dos teóricos que contribuíram para a estruturação do construtivismo. “Falar em Construtivismo, como a própria palavra diz, é pensar em construção, em construção do conhecimento” (Santos, Oliveira e Junqueira, 2014, p. 10). Jean Piaget viveu 84 anos, de 1896 a 1980. Foi biólogo, filósofo e epistemólogo, que por meio da observação do processo da aprendizagem de criança a adolescentes trouxe subsídios teóricos para a psicologia e que, mesmo sem a intenção, são até os dias atuais empregados no campo pedagógico (Santos, Oliveira e Junqueira, 2014). Em suma, as teorias de Piaget relatam a forma pela qual o indivíduo constrói e organiza o conhecimento.
Em seus estudos, Piaget concluiu que o ser humano constrói um conhecimento por meio de estágios que se dão através da evolução gradativa e no qual as mudanças são ordenadas e previsíveis. O homem é um ser social e as relações sociais do seu ambiente interferem no desenvolvimento da inteligência e, assim como o meio social é variável, a inteligência também sofre alterações ao longo do amadurecimento do indivíduo. Esse processo foi denominado pelo pesquisador de mudanças qualitativas e ocorre a partir da aquisição da linguagem com a inteligência prática até a adolescência com o pensamento formal (Taille, Oliveira e Dantas, 2019).
Taille, Oliveira e Dantas (2019) afirmam que, para o biólogo, a inteligência possui duas ramificações: a função que todos os seres possuem e a estrutura que apenas os seres humanos detêm, pois exige maior nível de inteligência. As estruturas cognitivas permitem a compreensão do conhecimento, por ações físicas e mentais. Para Piaget, a aprendizagem acontece da seguinte maneira:
● Assimilação: interpretação.
● Acomodação: compreensão do novo.
● Equilibração: após o conflito, surge a acomodação.
● Esquema: estruturas que se modificam.
Desse modo, a aprendizagem é um ciclo repetitivo que, por meio da relação do sujeito com o objeto, busca constantemente o equilíbrio. Já o desenvolvimento cognitivo decorre por meio de estágios que representam o nível da inteligência. Piaget divide em três estágios:
● Sensório – motor: percepções e ações. O ser humano nasce com duas ações (agarrar e sugar) e todas as outras funções são aprendidas com o tempo. A inteligência prática promove a vivência e a aprendizagem. Uma criança, ao nascer, tem o conceito do que é o mundo. Aos 9 meses, já começa a compreender os objetos.
● Pré-operatório: há mudanças na qualidade da inteligência. Surge a função simbólica, ou seja, a manifestação da linguagem. Nesse período acontece a comunicação, o início da criança no âmbito moral e ético e a organização dos conhecimentos adquiridos em um todo coerente.
● Estágio operatório: ação interiorizada reversível pode ser entendida por pensar, agir e organizar o pensamento. Esse estágio é subdividido em duas partes – operatório concreto e operatório formal.
Por fim, ao considerar que a moral também é um fator social, Piaget propõe que o desenvolvimento da capacidade do raciocínio lógico acontece junto com o desenvolvimento da moral. Ao longo de cada etapa de amadurecimento da inteligência, a criança irá alterar a forma com que se relaciona com as normas e regras morais. Por isso, a moral e a afetividade são temas que Piaget abordou em suas pesquisas.
Os estudos de Piaget contribuíram para o início da superação do modelo tradicional de ensino, no qual o indivíduo era tido como um depósito de informações. Compreender que o processo de ensino-aprendizagem depende das relações sociais e da relação do indivíduo com o objeto de estudo, atribui ao aluno o protagonismo e o papel ativo que antes era ignorado. Esse aspecto acaba por ser um dos mais importantes para o trabalho do Núcleo Educativo do Museu Felícia Leirner e Auditório Claudio Santoro.
REFERÊNCIAS
MUSEU FELÍCIA LEIRNER E AUDITÓRIO CLAUDIO SANTORO. Plano Museológico. ACAM Portinari: Campos do Jordão, 2021.
MUSEU FELÍCIA LEIRNER E AUDITÓRIO CLAUDIO SANTORO. Programa Educativo e Cultural. ACAM Portinari: Campos do Jordão, 2021
MARANDINO, Martha; IANELLI, Isabela Tacito. Modelos de educação em ciências em museus: análise da visita orientada. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte), v. 14, p. 17-33, 2012.
MARTINS, Luciana Conrado. Como é criado o discurso pedagógico dos museus? Fatores de influência e limites para a educação museal. Museologia & Interdisciplinaridade, v. 3, n. 6, p. 49-68, 2014.
SANTOS, Anderson Oramisio; OLIVEIRA, Guilherme Saramago; JUNQUEIRA, Adriana Mariano Rodrigues. RELAÇÕES ENTRE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO EM PIAGET E VYGOTSKY: O CONSTRUTIVISMO EM QUESTÃO. Itinerarius Reflectionis, Goiânia, v. 10, n. 2, 2015. DOI: 10.5216/rir.v10i2.32621. Disponível em: https://revistas.ufj.edu.br/rir/article/view/32621. Acesso em: 24 maio. 2024.
TAILLE, Yves de La; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vigotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 2019.