4º Trimestre | 2017

A artista Felícia Leirner teve seu primeiro grande contato com a criação de esculturas no ateliê do já renomado escultor Victor Brecheret, em 1948, em São Paulo. Na época, o ateliê era onde hoje se situa a majestosa escultura Monumento às Bandeiras – a obra  estava sendo produzida e exigia um ateliê permanente, com trabalho ininterrupto, uma vez que é inteiramente esculpida em granito.  Inicialmente, seu pedido para ser aluna de Brecheret foi negado pelo artista, pois ele acreditava não ser um trabalho para mulheres, tendo em vista o grande esforço físico exigido pela função, mas Felícia – com muita insistência e força de vontade – persistiu na ideia até que fosse aceita e admitida como sua aprendiz, trabalhando inclusive nessa enorme empreitada. Seus estudos, porém, não ficavam só por conta do que o mestre Brecheret ensinava. A artista, com seu espírito engajado, foi muito além. Pesquisava com afinco em livros e slides, estava presente nos meios culturais e artísticos da época e frequentava com assiduidade exposições, como a Bienal de São Paulo – mostra  em qual, mais tarde, teria sua própria sala expositiva.

Como se vê, apesar de ter usado em poucas de suas obras, o granito teve grande importância e influência na iniciação de Felícia como escultora, estando inicialmente bastante atrelado às técnicas e poética do mestre Victor Brecheret.

Concomitante ao trabalho como aprendiz de escultora no Monumento às Bandeiras, Felícia produziu, em 1952, uma de suas obras mais conhecidas: Maternidade – sua primeira escultura em granito – recentemente incorporada à coleção do Museu Felícia Leirner, como reportado anteriormente, na 3° edição do Notícias de Acervo (3º trimestre de 2015). A análise detalhada desta obra nos remete muito claramente ao momento inicial de sua carreira, em que as influências adquiridas no trabalho junto a Brecheret tornam-se evidentes no contorno das formas e no próprio material escolhido pela artista.

A coleção mantida pelo Museu Felícia Leirner possui, entre as suas 85 esculturas, apenas mais uma obra produzida em granito: a Figura Arcaica II, de 1960. O histórico desta obra é curioso e ainda não plenamente conhecido. Antes que estivesse sob os cuidados da Organização Social de Cultura ACAM Portinari e da equipe de restauro e conservação do escritório Julio Moraes, a peça sofreu uma avaria significativa, tendo sua parte superior sido fragmentada e perdida. Pertencente à fase A Caminho da Abstração, a obra esteve exposta na VIII Bienal de São Paulo, em 1965, onde pode-se conhecer sua configuração integral, tal como criada pela artista (ver imagem anexa). Relatos orais de antigos funcionários do Museu apontam para a possibilidade de ter sido quebrada pela queda de uma árvore. Neste caso, destacamos dois pontos em especial. O primeiro ponto se refere à poética própria da artista, que previa uma relação muito direta entre as esculturas e o seu entorno natural, tendo optado desde a sua criação pela exposição a céu aberto. O segundo ponto relaciona-se muito diretamente ao primeiro e diz respeito ao processo de conservação da coleção. Como já destacado nas edições anteriores do Notícias de Acervo, coleções de arte e em locais abertos requerem atenção e cuidados constantes e diferenciados, tanto no controle dos elementos naturais que influenciam diretamente em sua conservação (intempéries, insetos, dejetos, umidade etc.), quanto na necessidade de intervenções de restauro assertivas e urgentes, que impeçam a perda de informações sobre a obra e suas consequências para a preservação da história e do patrimônio material.

Destacamos, ainda, que desde o início do processo de recuperação e estabelecimento das rotinas de conservação da coleção do Museu Felícia Leirner pela equipe do conservador-restaurador Julio Moraes e equipe interna de Acervo, não se detectou a necessidade de restauro específico das obras em granito, uma vez que sua resistência à intempéries e danos externos é alta em comparação aos outros materiais utilizados pela artista: bronze e cimento branco. O procedimento de conservação utilizado rotineiramente é o hidrojateamento, técnica que consiste na aplicação de um jato de água com a pressão controlada sobre a superfície da obra, com o objetivo de remover sujeiras em geral, como proliferação de microrganismos, insetos e seus dejetos, poeira acumulada e outras que surgem pela exposição direta das obras ao ar livre. Vale destacar que a equipe segue buscando informações acerca da obra Figura Arcaica II e soluções que possam tornar a escultura original conhecida e acessível ao público e demais interessados.